Cascudo - Biblioteca Virtual

Poesias
  • Para Mário de Andrade

    O sol lhe bate de chapa
    De um besouro o brilho escapa
    Branco, negro, ouro e mel.
    Rola, recua e se atira
    Volta, se encolhe e se estira
    O dorso da cascavel.

    O corpo inteiro palpita
    A pele se arruga e agita,
    A língua fina dardeia.
    E treme e estorce e avança
    E estaca, e demora, e cansa
    Ondula, vaga, volteia.

    Silva, ronca, bufa e soa
    O maracá que reboa
    E tudo dança no pó.
    Alonga a beleza tosca
    Da pele que vai e enrosca
    E fica tremendo só...
    O dorso acurva, se enrola
    Como o fio de uma mola.
    Incha, sopra, engorda, cresce,
    Sobe, pára, volta e corre
    O brilho no lombo escorre
    Vibra, estaca, espicha, desce...

    Vai parando o movimento
    O maracá cede ao vento
    E fica soando mal.
    De pronto sacode o laço
    Como uma mola de aço
    Subindo numa espiral.

    Inda vibra, mexe e bole
    O corpo anegrado e mole
    Sustém o compasso enfim.
    Cede a cadência da dança
    Pára o chocalho, descansa
    E tudo cessa por fim.

    Fontes:   Recife: Jornal do Comércio, 06.09.1925.
                         O Movimento Modernista em Pernambuco. Inojosa, Joaquim.
                                         Rio de Janeiro: Tupy, 1968.

                      Câmara Cascudo - Um brasileiro feliz. Lima, Diógenes da Cunha.
                       3a ed. Rio de Janeiro: Lidador, 1998. 236 p.

                      CD Brouhaha - Câmara Cascudo Poeta e leitor de poesia.
                       Natal: Projeto Nação Potiguar, Mapeamento Sonoro do RN – No. 15, 2005.

  • Para Ribeiro Couto

    Subiu a toada
    Dos negros mocambos.
    Saiu a mandinga
    De pretos retintos
    Vestidos de ganga.

    Quilengue, Loanda,
    Basuto e Marvanda
    Fazendo munganga.
    Tentando chamego
    Cantando a Xangô.

    Escudos de couro
    Pandeiros, ingonos,
    Batuques e dança...
    Palhoças pontudas
    Com ferros na lança.

    Terreiros compridos
    De barro batido.
    Cantigas e guerras
    Com sobas distantes...
    Caçada ao leão.

    Caninga de choro
    Zoada de grilo.
    Campina de cana
    Com água tranqüila...
    A voz do feitor.

    Mucamas cafuzas
    Moleques zarombos...
    Na noite retinta
    A toada subia
    Dos negros mocambos.

    Fonte: Revista de Antropofagia, 1(10), fev.
                     São Paulo: [s.ed.], 1929. 8 p.

                    Revista Descobrimento, número de verão.
                     Lisboa: [s.ed.], 1931. P. 302-303. [Poema dedicado a João Couto]
                     Pensamento da América, 27.09.1942.

                     Viagem ao universo de Câmara Cascudo. Costa, Américo de Oliveira.
                     Natal: Fundação José Augusto, 1969. 248 p.

                     Câmara Cascudo - Um brasileiro feliz. Lima, Diógenes da Cunha.
                     3a ed. Rio de Janeiro: Lidador, 1998. 236 p.

                     CD Brouhaha - Câmara Cascudo Poeta e leitor de poesia.
                     Natal: Projeto Nação Potiguar, Mapeamento Sonoro do RN – No. 15, 2005.

  • Mapas de Cantino, Waldseemuller, Krunstmann
    Desenho velho de canibais e feras.
    Brasil! Terra dos Papagaios...
    Insula flexível emergindo de cosmógrafos atônitos
    Se estirando larga-escura n’água azul...
    Bojo gemente de caravelas que o vento enfuna amplo velame
    E a Cruz de Cristo sangrando na vela-grande.
    Barbudos soldadões que viram Prestes João
    Na linha interminável do Mar longo...
    ... Viola, cantiga, folhagem boiando...
    Suja espuma babando a sombra do Monte
    ... Jarretes velozes voando no dorso da areia
    Da praia praiana chã e mui formosa.
    Cruzeiro de pau na terra selvagem
    Cruzinha de chumbo no índio curvado.
    Brasil de Madrugada
    Com flechas, botoques, inúbias, cocares,
    Dançando, correndo, fugindo, voltando.
    Papel amarelo coberto de letras:
    “Serenissimi Emmanuelius Regis
    Portugaliae Algarbiorum citra et ultra mare
    In Africa dominus Guinae”.

    Fonte: Descobrimento: revista de cultura.
                     Lisboa: [s.ed.], número de verão, 1931.

                     Viagem ao universo de Câmara Cascudo. Costa, Américo de Oliveira.
                     Natal: Fundação José Augusto, 1969. 248 p.

                     Câmara Cascudo - Um brasileiro feliz. Lima, Diógenes da Cunha.
                     3a ed. Rio de Janeiro: Lidador, 1998. 236 p.

                     CD Brouhaha - Câmara Cascudo Poeta e leitor de poesia.
                     Natal: Projeto Nação Potiguar, Mapeamento Sonoro do RN – No. 15, 2005.

  • Os olhos de Collen Moore
    Olhos de jabuticaba
    Grandes, redondos, pretinhos...
    Mas porém
    São olhos de americano,
    Meu bem!
    Eu sempre prefiro os seus.
    Meu bem!
    Olhos de ver no cinema,
    Só lembra a gente espiando
    E depois é se esquecendo,
    Meu bem!
    Eu sempre prefiro os seus,
    Meu bem!

    Olho de gente bem branca
    Que não mora no Brasil
    Fala fala atrapalhada
    Meu bem!
    É olho de terra boa
    Mas porém
    Eu sempre prefiro os seus,
    Meu bem!

    Fonte: Crítica: política e letras.
                     Recife: Gráfica Manimbu, Ano XVI, n. 6, ago/set, 1972.

                     Câmara Cascudo - Um brasileiro feliz. Lima, Diógenes da Cunha.
                     3a ed. Rio de Janeiro: Lidador, 1998. 236 p.

                     CD Brouhaha - Câmara Cascudo Poeta e leitor de poesia.
                     Natal: Projeto Nação Potiguar, Mapeamento Sonoro do RN – No. 15, 2005.

  • Para Maria Luíza Filgueira

    Foi o destino quem quis
    Dar-te ares de Duquesa,
    Dois olhinhos de turquesa,
    E nome de Imperatriz!

    Olhar que voa cantando
    Um coração quando passa...
    Dentro das veias, vibrando,
    Bom sangue de velha Raça!

    Prá explicar-te a frase cai
    Sem que a razão acompanhe:
    Se o fino encanto do Pai
    Se o claro espírito da Mãe!...

    Mas, pensando em tua graça,
    Que o alto céu apontou,
    Eu sei que nela perpassa
    A velha verve do avô...

    Talvez a Sorte decida,
    Num bom dia que verei:
    Tu ires fazer a vida,
    De quem tem nome de Rei!...

    Natal, 23.03.1933.
    (Com direito d prioridade em verso ruim)

    Poema coletado com Álvaro Alberto Filgueira Barreto.

    Fonte: CD Brouhaha - Câmara Cascudo Poeta e leitor de poesia.
                     Natal: Projeto Nação Potiguar, Mapeamento Sonoro do RN – No. 15, 2005.

  • Para Joaquim Inojosa

    Deixa, meu fino lírio japonês
    Que o vento ulule fora da vidraça
    Tens o corpo sonoro de uma taça
    E o teu quimono
    Que envolve tua cinta esguia e fina
    Dá-te um ar de princesa de neblina
    Num castelo de outono...
    Bem vês
    Que o vento ulula fora da vidraça
    E a chuva passa
    Para ver-te, meu lírio japonês...

    (Jornal do Comércio – Recife – 13/09/1925)

    Fonte: O Movimento Modernista em Pernambuco. Inojosa, Joaquim.
                     Rio de Janeiro: Gráfica Tupy Ltda., 1968. p. 105.

                     CD Brouhaha - Câmara Cascudo Poeta e leitor de poesia.
                     Natal: Projeto Nação Potiguar, Mapeamento Sonoro do RN – No. 15, 2005.

  • Não gosto de sertão verde,
    Sertão de violeiro e de açude cheio,
    Sertão de rio descendo,
                            l
                               e
                                  n
                                     t
                                        o
    largo, limpo.
    Sertão de sambas na latada,
    harmônio, bailes e algodão,
    Sertão de canjica e de fogueira
    Capelinha de melão é de S. João,
    Sertão de poço da ingazeira
    onde a piranha rosna feito cachorro
    e a tainha sombreia de negro n’água quieta,
    onde as moças se despem
                            d
                               e
                                  v
                                     a
                                        g
                                           a
                                              r.
    Prefiro o sertão vermelho, bruto, bravo,
    com o couro da terra furado pelos serrotes
    hirtos, altos, secos, híspidos
    e a terra é cinza poalhando um sol de cobre
    e uma luz oleosa e mole
                            e
                               s
                                  c
                                     o
                                        r
                                           r
                                              e
    como óleo amarelo de lâmpada de igreja.

    Fonte: Terra roxa: e outras terras.
                     São Paulo: Livraria Martins Editora, 1977. Ano I, n. 6, p. 4, julh. 1926.

                     CD Brouhaha - Câmara Cascudo Poeta e leitor de poesia.
                     Natal: Projeto Nação Potiguar, Mapeamento Sonoro do RN – No. 15, 2005.

  • Tarde morrendo em vermelho
    e o ouro
    do Sol se refletindo no espelho
    do açude.
    A estrada é branca antes que a noite a mude.
    Entre nuvens de poeira
    surge o vaqueiro vestido de couro.
    E o vento leva longe toda a poeira.
    E o vaqueiro passou correndo, correndo...
    Há somente a tarde morrendo
    no vermelho
    espelho
    do açude...

    Poema remetido pelo autor em 04/09/1925 para o escritor Mário de Andrade.

    Fonte: Universidade de São Paulo – USP / Instituto de Estudos Brasileiros – IEB.
                     CD Brouhaha - Câmara Cascudo Poeta e leitor de poesia.
                     Natal: Projeto Nação Potiguar, Mapeamento Sonoro do RN – No. 15, 2005.

  • Tardinha, tardinha
    serenamente
    cai a sombra do alto
    céu azul.
    Água quieta, água quieta,
    e a longa sombra do arvoredo n’água
    da lagoa...
    E o sossego nos capoeirões.
    E o aboio no ar...
    Tardinha, tardinha
    No silêncio, o grito
    das seriemas fugindo...
    E no galho escuro da oiticica
    sinistra, solitária, branca,
    a Mãe-da-Lua canta...

    Poema remetido pelo autor em 04/09/1925 para o escritor Mário de Andrade.

    Fonte: Universidade de São Paulo – USP / Instituto de Estudos Brasileiros – IEB.
                     CD Brouhaha - Câmara Cascudo Poeta e leitor de poesia.
                     Natal: Projeto Nação Potiguar, Mapeamento Sonoro do RN – No. 15, 2005.

  • O chão é seco e vermelho, é vermelho
    o caminho entre o amarelo do panasco.
    As pedras brancas vão surgindo como frades
    de pedra-branca na vermelha estrada.
    Sol de chapa!
    No horizonte azul que doe nos olhos
    os cardeiros abrem as mãos
    verdes, verdes, verdes...
    Há uma transparência pelo ar
    que treme, treme e, na poeira fina
    e cinzenta, voam folhas secas
    pelo ar...

    Poema remetido pelo autor em 04/09/1925 para o escritor Mário de Andrade.

    Fonte: Universidade de São Paulo – USP / Instituto de Estudos Brasileiros – IEB.
                     CD Brouhaha - Câmara Cascudo Poeta e leitor de poesia.
                     Natal: Projeto Nação Potiguar, Mapeamento Sonoro do RN – No. 15, 2005.

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